Terceira entrevista, da série Perfil Bully, para conhecermos melhor os criadores que são destaque no Brasil. Apresentamos Alarico Rocha – By Kid Kennel:
Com duas décadas de criação, Canil By Kid vem da escola do American Staffordshire Terrier. Correção e conformação é uma marca que tornou-o a principal referência do American Bully na região Nordeste.
*entrevista originalmente publicada em setembro de 2015
1) Qual sua visão geral sobre criação de cães?
O criador, cinófilo, tem que buscar se aperfeiçoar e se profissionalizar cada dia mais. Temos de utilizar tudo o que a ciência nos fornece (citologia, espermograma, ultrassom, cesárea, acompanhamento veterinário) no intuito de trazer uma melhor qualidade de cães e uma evolução genética cada vez melhor e verdadeiramente efetiva, sem nunca esquecermos a saúde dos cães.
Eu vejo algumas peculiaridades, características, sendo selecionadas que na verdade vão trazer um estilo de vida ruim para os cães, eles não vão ter uma qualidade de vida desejável. O criador tem que ter essa visão, independente do que seleciona, tem que procurar selecionar um animal que seja saudável e tenha uma vida saudável.
2) Como conheceu o American Bully e qual foi o primeiro impacto com a raça?
Eu conheci o American Bully no inicio de 2000. O Germano Lavigne é baiano e adquiriu alguns cães comigo, nos tornamos amigo e um dia ele me disse: “Alarico, vi um site nos Estados Unidos com cães muito parecidos com seu ideal de seleção. Cães fortes, com muita definição muscular, nas cores azuis”.
Numa tarde fui à sua casa e ele me mostrou esse site, foi quando eu conheci a criação do Dave Wilson – ainda como a nomenclatura de American Staffordshire Terrier, não como American Bully. Me apaixonei pelos cães, naquele momento era o meu ideal de criação e se pareciam muito com o que eu buscava.
Na época eu trabalhava com a linha de sangue Costa Rica, eram cães fortes, com bom temperamento, com uma musculatura bem definida, basicamente nas cores azuis. Foi ali que eu tive o contato, mas na época era muito caro importar, praticamente impossível, então só pude admirar.
Naquela época o cão que mais me chamou a atenção foi o Purple Rose of Cairo que, posteriormente, veio se tornar um dos fundadores, a base, da Razors Edge do Dave Wilson. De inicio me apaixonei me apaixonei pelo Cairo, era um cão magnífico que reunia algumas das qualidades e características que ainda busco fixar no meu plantel: um cão forte, com muita musculatura, boa correção de aprumos e uma cabeça bem desenhada.
3) Sua visão sobre o American Bully mudou desde que iniciou na raça?
De certa forma não mudou! O meu ideal de American Bully, aquilo que eu busco, não mudou. Procuro um cão com estatura mediana, de Standard a Pocket, com boa definição muscular, boa correção de aprumos, movimentação saudável. Não precisa ser uma movimentação fluída como os atuais American Staffordshire Terrier, até por que não acho que isso seja característico.
Buscamos um cão hipertrófico, com musculatura muito saliente, um cão muito forte. A gente não pode exigir que um fisiculturista tenha uma movimentação fluída. Porém, não podemos selecionar animais com os aprumos completamente cedidos, cessão de metacarpos, cessão de cotovelos, esse tipo não traz um animal saudável.
Sem dúvida nenhuma vem surgindo outros estilos de American Bully e você pode inserir um cão de uma determinada linha de sangue ou com uma característica hipertípica para tentar melhorar o plantel.
Não necessariamente para fixar aquela característica, mas pra suavizar ou consertar alguma coisa que tenha no plantel. Exemplo: o Dana White, que é um dos meus reprodutores, é um cão extremamente abulldogado. Não é o meu ideal de cão, mas me traz ossatura, dá um ar mais moderno à minha base Razor.
Eu trouxe uma pedra bruta, um cão que tivesse uma característica hipertípica, para justamente inserir essa característica de forma suave no meu plantel.
4) No início você utilizou cães Red Scout junto com os seus American Staffordshire Terrier. Você enxergava uma similaridade nas raças ou era um momento de transição?
Eu comecei a criar American Staffordshire Terrier em 1995 e me filiei ao Kennel Club em 1997, quando comecei a ganhar os primeiros títulos da raça. Criei até 2006, quando tive que me afastar da criação por causa de estudos para concurso público e ficou complicado continuar me mantendo na criação.
A criação exige, uma certa, dedicação e naquele início não pude me dedicar e deixei os cães em “stand by”. Eu vendi boa parte do plantel e a nata, aquilo que representava o meu ideal, eu coloquei nas mãos de pessoas de minha confiança. Mandei alguns cães pro Germano e tem alguns cães de sua criação que tem a minha base de sangue. Mandei alguns cães pro Toca do Jalapão, mandei alguns para os amigos na Bahia.
Quando eu voltei a criar em 2010 muita coisa da minha linha de sangue já tinha sido perdida. Rogélio Piloni, por exemplo, manteve a sua criação de Pit no estilo Bully e quando os Bullies surgiram ele pôde inseri-los em sua criação; melhorando o que achava que poderia melhorar e acrescentando o que achava que deveria acrescentar.
No meu caso, infelizmente, muita coisa foi perdida. Nesses quatro anos alguns cães morreram, deixaram de ser aptos para reprodução, as cadelas envelheceram. Quando voltei a criar, esses amigos mandaram alguns cães remanescentes da minha linha de sangue e eu precisava de uma forma de aproveitar as características que estavam ali. Os American Staffordshire Terrier da época, de 2010 pra cá, não me agradaram. Eram cães muito leves, altos demais, muito dedicados ao show.
A minha linha de sangue, os Costa Rica, se assemelhavam por demais aos American Bullies atuais. Eram cães que se existissem hoje não deixariam dever a muitos bullies que existem por ai. Eu precisava encontrar cães para que fossem cruzados nos meus cães remanescentes e os mais próximos, daquilo que eu já tinha e desejava, foram os cães Red Scout.
Estes cães eram justamente os Razors Edge que eu tanto admirei nos anos 2000 e tive essa facilidade de encontrar aqui no Brasil, os cães que eu não tinha possibilidade de importar, e estavam com o Gustavo Martinelli. Assim eu consegui adquirir os meus primeiros American Bullies da linha que eu sempre desejei e, eventualmente, cruzei com alguns cães da minha linha de sangue.
Foi um trabalho parecido com o que o Piloni fez com sua linha de sangue, mas em uma escala menor por que muita coisa minha foi perdida. Eu ainda consegui trazer alguns dos cães da minha linha e nesse primeiro momento quis aproveitar o meu sangue. Era um trabalho que eu vinha fazendo e não achava justo descartar.
Inclusive, o que pouca gente sabe, sempre se falou de Pits e Amstaff com pedigree ABKC. Quando fui registrar minhas primeiras ninhadas de American Bully eu peguei os pedigrees CBKC dos meus cães e enviei para ABKC e eles ratificaram o pedigree, mandando o ABKC, respeitando toda a árvore genealógica. Fiz isso com a cadela Bykid Grossa, filha do Broca e, inclusive, eles também me mandaram gratuitamente o pedigree ABKC dele como American Bully e sem nenhum custo.
Quando mandei o pedigree da Grossa eu só queria o pedigree dela, queria registrar as ninhadas dela, o Broca já estava em fim de carreira, era um Amstaff de dez anos. Eles pediram foto da cadela: frente, perfil, fundo e dos pais. Quando o viram me mandaram o pedigree ABKC dele sem custo, até falei que não tinha interesse, que o cachorro estava velho. Achei muito bonito da parte deles, os americanos admiravam o trabalho que alguns criadores vinham fazendo, como eu, Piloni, Cães do Leste.
Alguns brasileiros depreciavam esse trabalho. Em vez de baterem palma, falarem “Olha ai, cães de criação nacional sendo admirados e respeitados nos Estados Unidos, recebendo pedigree de American Bully”. Mas não, alguns criadores no Brasil começaram a “sentar a ripa” nesse tipo de atitude, como se American Bully fosse só o que nascesse nos Estados Unidos.
Na minha concepção é um “tupiniquismo” desses criadores por que o American Bully é um conceito, tanto que até hoje eles ainda tiram Registro Inicial. Se os americanos se curvaram, bateram palma, para o trabalho que os criadores daqui vinham fazendo, por que os nossos próprios compatriotas criticavam?
Ratificando essa resposta, sim eu utilizei os meus Amstaff Costa Rica com os cães Red Scout, com a base Razors Edge. Justamente, por que eu enxergava similaridades e as linhas de sangue se combinariam, como, realmente, se combinaram. Produzi alguns bons cães a partir disso como: By Kid Just e By Kid Wendy. E já tem produções de segunda e terceira geração desses cães com muita qualidade e a gente posta foto e vê os criadores gringos e criadores brasileiros comentando e elogiando. Isso significa que a gente está no caminho.
5) O que analisa em um exemplar para utilizá-lo em seu programa de criação?
O que mais me atrai é basicamente estrutura. Eu quero um cão com boa morfologia, um cão forte, com boa ossatura, aprumos corretos, angulação traseira correta. Um cão com a movimentação saudável, não precisa ser uma fluída como um cão de exposição, uma “marchinha picada” típica de um cão forte, mas não um cão aleijado.
Que o cão tenha capacidade de transmitir essa característica física, ou seja, esse tipo físico forte, essa correção de aprumos, definição muscular – isso me atrai bastante. Dentição, nos Bullies, eu já não olho mais, pouco me importa se é prognata, se a mordedura é em tesoura, se é torção de mandíbula. Hoje, até pelo desenho de cabeça que se busca alcançar, a dentição pode tornar-se um empecilho e ela não interfere na saúde do cão. Se fosse assim o Bulldog não existiria por que é prognata, Boxer não existiria. A dentição eu não enxergo como um problema.
Uma expulsão de cotovelos, metacarpos cedidos, um jarrete de vaca, desvio na coluna dorsal. Esse tipo de coisa não me agrada e eu tento evitar. Sempre entendo que existe uma diferença entre abertura de peito e de cotovelos cedidos. Eu busco um animal saudável, mas forte, com definição.
6) São duas décadas de criação, desde que iniciou com o American Staffordshire Terrier em 1995, os últimos 5 anos com o Olde English Bulldogge, e no meio disso o American Bully. Com a sua experiência como você vê o desenvolvimento rácico do American Bully?
A raça tem tomado diversas vertentes e isso justifica a grande divulgação que tem – cada dia está expandindo mais. Tem surgido diversos tipos e estilos de bully, sub-linhagens dentro das linhagens e isso é bom pra raça.
Eu gosto dessa diversidade por que atingindo diversos estilos você tem como atingir um público maior e isso é bom pra divulgação da raça. No entanto, me preocupa algumas vertentes que têm surgido, principalmente quanto a questão de saúde e conformação do animal.
De uma maneira geral esse “boom” que a raça vem tendo, com esses diversos fenótipos, é muito saudáve, justamente por que aumenta o alcance. Uma pessoa que não poderia ter um Pit Bull pode ter hoje um American Bully Pocket.
No livro ‘The World of Fighting Dogs’, do Carl Semencic, ele fala que “todo American Staffordshire é um Pit Bull, mas nem todo Pit Bull é um American Staffordshire”. Eu entendo que o American Staffordshire Terrier, o Staffordshire Bull Terrier, o próprio Bull Terrier e o American Bully são todos gêneros do Pit Bull. Não tem como dissociar isso, fugir dessa realidade é fugir da própria história da raça.
O Pit Bull sempre foi um cão saudável, independente de ser um cão para trabalho, de briga, de conformação. Assim como o American Staffordshire também que é um cão correto, com uma movimentação, não necessariamente fluída como estão colocando hoje na raça e que não me agrada, vigorosa, saudável. Hoje eu vejo alguns American Bullies que não tem isso.
Vejo cães com aprumos horrorosos, cães que não se movimentam e ficam boa parte do tempo sentados. Tudo bem que a raça, até pelo encurtamento do fucinho, não vai ser um animal que vai conseguir ter o mesmo desempenho de um Pit Bull ou Amstaff. Tem cães que eu “choro” de ver andando e se movimentando e esse rumo rácico me preocupa um pouco.
7) Nos últimos anos você importou diversos cães. Você viu uma carência nas importações que já estavam em solo nacional ou procurava por características específicas?
Vejo alguns criadores brigando com relação à determinada linha de sangue ser melhor que a outra: “Razor é melhor que o Gotti”, “Miagi é melhor que Razor”. Eu não enxergo uma linhagem sendo melhor que a outra, eu entendo que existem cães melhores que os outros e as linhagens podem vir a se complementar.
Há um tempo atrás, com os American Staffordshire Terrier, os primeiros cães que chegaram no Brasil foram: Barbel Von Gelderland, Adele Von Heinberg, ambas importadas da Alemanha. Previlian’s Spike, River Run’s Smoke Screen, River Run’s Cornocupia, dos Estados Unidos. E um pouco depois Bear Mountain War Cloud, também americano. Daí surgiu algumas linhagens, estes cães deram origem aos canis do Gameness, Sir Von Bettgers e Weilersul.
Depois veio a questão dos Costa Rica. Quando Alberto Villalobos veio para o Brasil, vindo da Costa Rica, trazendo alguns exemplares: Aladino Tyson, Luna Libéria, Bala Shagui, Apolo Antares. Nisso surgiram criadores focados esse trabalho. Eu, apesar de gostar muito dos Costa Rica, trouxe cães de base do canil Gameness e depois fui no Nelson Filipinni e trouxe alguns cães também.
Entendia que as linhas de sangue podiam se complementar. Poderia introduzir o fator azul na linha de sangue Gameness, mantendo sua correção, jogando o peso e temperamento dos Costa Rica. Consegui alcançar isso com alguns exemplares e tive cães de minha produção como “Best in Show” em Especializada, cães Ranqueados, através das junções dessas linhagens.
Quando eu fui para o American Bully, basicamente, conhecia a Razors Edge e logo que comecei a criar, comecei a pesquisar. Vi que existiam outras linhas de sangue como Gottiline, com vertentes que me interessavam: a Dream Team Blood com Prince Spade, Kriptonyte. Existiam linhas de sangue como a Daxline dentro, ainda, da própria Gottyline (Ed Shepherd).
Entendi que podia juntar essas linhas de sangue e através delas chegar ao meu cão ideal. Apesar de gostar dos Razors eles não tinham todas as características que eu queria, assim como a Dream Team Blood e Daxline. Por isso importei muita coisa. Apesar de o plantel nacional ter muitas coisas para ofertar, não tinha todas as peças que eu entendia que era necessário.
Gosto muito do Gottyline’s Dax, achava um reprodutor muito completo. Mas eu entendia que a Dream Team Blood com o peso dela, a força dela, com a união de irmãos, vinha com a força familiar. Mais de um membro, dentro daquela linha de sangue, passando características parecidas e que você podia juntar essas características através da junção do sangue desses irmãos.
Na Razors Edge eu enxergava uma correção, cães corretos e harmônicos. Na Dream Team eu via muito osso, muito peso, muita carcaça. Na Daxline eu enxergava uma definição muscular que me agradava demais, fora a homogeneidade que o Dax conseguia transmitir para seus descendentes. Através dessa junção eu conseguiria chegar ao exemplar que eu quero.
Daí o porquê de eu ter feito tantas importações nos últimos anos. Acredito que cheguei aonde quero e esse ano já não importei mais. Devo passar um tempo trabalhando as linhas de sangue que eu trouxe, tentando homogeneizar o meu plantel com a Chancela By Kid.
8) Já produziu algum cão que é a personificação do seu objetivo na raça ou ainda pretende chegar lá?
Eu sempre digo que o perfeito nasce morto. O criador não nunca pode achar que atingiu a perfeição, que chegou ao final, senão vai parar de criar. Já produzi alguns exemplares que me agradam por demais: By Kid Just, By Kid Lumia, By Kid Wendy. Tem o By kid Mimo, que está fazendo campanha no Rio de Janeiro e se saindo muito bem, que é um tricolor preto.
Estou sempre querendo melhorar, sempre acho que posso fazer um cão melhor, tirar algo, ainda mais dentro, do meu ideal.
9) O que pensa sobre o plantel nacional e seu futuro?
O plantel nacional está de vento em popa. A gente está atingindo a autossuficiência, agora é uma questão de apenas estabilizar esse plantel e divulgar mais ainda esses cães e a qualidade do plantel. Temos criadores de altíssima qualidade no Brasil.
10) Deixe uma mensagem final, um conselho, para quem está lendo essa entrevista.
Criar não é fácil! Envolve tempo, dinheiro, autossacrifício, capacidade de observação, julgamento, capacidade de abnegação, de abrir mão de outras coisas para se dedicar à criação. Um pouco de sangue frio para “eliminar” os exemplares que não estão dentro do padrão da criação. Coração de gelo na hora de “rodar o plantel”, ceder uma matriz ou um reprodutor adulto, para ajudar outro criador.
Não é fácil, mas é gostoso demais. Eu sou apaixonado por isso e enquanto tiver forças quero continuar criando. Acho que determinadas discussão são inúteis para a raça, para a criação. O criador tem que procurar o seu ideal e não olhar defeitos na criação alheia, falando da criação alheia. Tem que acreditar e buscar o seu ideal, acreditar no que está selecionando e ir até o fim.
Como eu disse, no inicio existia disputa entre o Pit Bull e o American Staffordshire, o Pit Bull era “o combatente, o corajoso, o cão que brigava, o American era o cão só de desfile”. Dentro do American Staffordshire havia a disputa entre Costa Rica com os cães de linhagem americana, disputa com os cães Gameness. Eu sempre achei que isso não levava a lugar nenhum.
E o futuro provou isso, provou que na verdade muitos bons exemplares surgiram da junção das linhas de sangue. Os criadores que tiveram melhor resultado foram os que se preocuparam em criar, do que falar de outras criações. Como falei acima, o aproveitamento do Amstaff, de algumas linhas de Pit Bull, na produção do “Bully Nacional” foi extremamente proveitoso.