Segunda entrevista, da série Perfil Bully, para conhecermos melhor os criadores que são destaque no Brasil. Apresentamos Gustavo Martinelli – Red Scout Kennel:
Um dos pioneiros do American Bully no Brasil. Gustavo Martinelli é médico veterinário e um dos maiores criadores do país. Especialista em ‘Outcross’, Red Scout é a base de sangue para vários canis de American Bully em solo nacional.
*entrevista originalmente publicada em agosto de 2015
1) Qual sua visão geral sobre criação de cães?
Criar cães é uma atividade muito gratificante e apaixonante que necessita de muito cuidado e atenção, pois antes de mais nada é praticada com animais que possuem sentimentos e necessitam de muitos cuidados.
Acredito que nada seja mais gratificante aos amantes da cinofilia do que contemplar seu plantel e colher os frutos dos cruzamentos, ver a nova geração superando a geração anterior.
Já criei American Pit Bull Terrier, Buldogue Inglês, Staffordshire Bull Terrier, mas confesso que os American Bullies me cativaram para sempre. Possuem um temperamento inigualável, uma presença marcante, são cães fantásticos.
2) Como conheceu o American Bully e qual foi o primeiro impacto com a raça?
Conheci o American Bully através da internet. Eu criava Pit Bulls de linhagens pesadas e abulldogados, todos criadores dessa vertente de Pit Bull ouviam falar do movimento que tomava força nos EUA: se tratava do American Bully, animais que seriam a evolução dos, ditos, Pit Bulls pesados e abulldogados.
Comecei a estudar na internet e encontrei um canil que me agradava muito, que trabalhava com a linhagem Razors Edge, chamado Pure Blue. Observando a produção desse canil vi uma ninhada extremamente homogênea e com todas as características que eu buscava, a ninhada que gerou o Biz Markie, encontrei o site do proprietário do cão Biz Markie e foi paixão à primeira clicada.
No mesmo canil do Biz Markie vi um cão chamado Bronco, e com isso passei a buscar cães com essa linha de sangue e iniciei as importações. Em primeiro momento veio o Droopy, cão muito assemelhado ao Bronco, e uma fêmea chamada Lil B, filha direta do Biz Markie. Nessa mesma compra veio também uma cadela chamada 2 DVS, outra Razors Edge na mesma linha de sangue, todos com um ancestral em comum, uma Razors Edge chamada Banshee.
3) Sua visão sobre o American Bully mudou desde que iniciou na raça?
Minha visão mudou sim, aliás, essa é uma capacidade diretamente ligada a uma boa criação de American Bully. Os American Bullies são animais que se encontram em constante evolução, é nítido que a esmagadora maioria dos criadores gringos procuram sempre o cão mais extremado possível, sendo que essa evolução pode ser observada em poucas gerações, sempre é constante, o melhor animal está sempre por vir.
No início tive alguns animais da linhagem Razors Edge vindos do Pokemon e alguns na linha da Banshee, a tipicidade dos cães vindos do Pokemon não conseguiu atingir meus objetivos, me mantive nos Razors Edge vindos da base da Banshee, esses sim me agradam muito em relação a volume, altura, peso, ossatura e desenho.
Gostaria de frisar que isso e uma opinião pessoal, os cães oriundos do Pokemon são maravilhosos, dentro do que a linhagem se propõe, cães mais atléticos e com uma conformação mais assemelhada aos Pit Bulls e American Staffordshire mais pesados e com uma conformação voltada para pista.
Para quem gosta e trabalha os animais vindos do sangue Pokemon é necessário entender a origem deles, na Remyline, e entender o que esperar dessa linhagem. A evolução e tipicidade dos Gotti me chamaram muita atenção resolvi então colocar eles no meu plantel também.
4) Você fez um ótimo trabalho com os Razors Edge e sua produção serve, até hoje, de base para o plantel nacional. Como avalia os trabalhos que outros criadores fizeram com o sangue Red Scout?
Primeiramente fico muito feliz em saber que pude contribuir com meus cães para o pool genético de alguns canis. Vejo muitos trabalhos que realmente denotam exatamente o que procuro em minha criação, alguns cães bem extremados tiveram uma pitadinha do meu projeto em sua formação. Com certeza tenho que tirar o chapéu para vários criadores que continuaram essa linha de raciocínio a qual utilizei nos cruzamentos.
5) O que analisa em um exemplar para utilizá-lo em seu programa de criação?
Primeiramente avalio o animal como indivíduo. Não sou adepto da máxima que o pedigree faz o animal, o cão tem que ser aquilo que se espera da sua genealogia, não adianta um bom pedigree se o animal não condiz com a genealogia.
Os American Bullies são cães novos ainda em termos de formação genética, muito instáveis, é muito fácil andar anos para trás com um animal que seja fora do padrão que se espera da genealogia do seu pedigree. Antes de mais nada um cão tem que ser típico dentro da linhagem que se propõe.
Gosto de estudar os pedigrees e reluto muito em aceitar um animal que tenha em sua genealogia algum animal que não me agrade, uma hora ou outra isso virá à tona, e pode colocar em risco todo um processo de seleção e fixação de características.
Uma das características que mais abomino é o que chamo de cabeça de cobra, animais sem stop definido e com cabeça triangular. Tive uma experiência muito ruim com relação a isso na minha criação de Pit Bulls e pretendo não incorrer no mesmo erro nos American Bullies.
6) No Brasil você é considerado um especialista em Outcross, tendo muitos frutos da junção entre Razors Edge x Gottyline. Qual o desafio em manter o equilíbrio entre as linhas e produzir com consistência?
Volto a falar que é necessário utilizar cães hipertípicos dentro da linhagem que se propõe, dessa maneira você melhora as chances de fixação de características esperadas. Genética ao contrário do que se pensa, na maioria das vezes, divide, não soma e não multiplica.
Consegui resultados muito interessantes e consistentes com o uso da Mel Red Scout, uma típica Razors Edge, baixa, ossuda e muito pesada, com desenho perfeito de um American Bully cruzada no USBF Cashpot 2 (Rogélio Piloni) que é um Gottyline hipertípico, vindo de uma ninhada magnifica e muito homogênea feita pelo USBF, o Cash e a Mel se complementam, best to best, e os frutos vieram!
Mel cruzada em Toretto a.k.a. Sushi também foi um excelente Outcross feito no canil. Em minha opinião o importante é procurar linhas que se complementem e com um bom grau de homozigose presente em pelo menos um dos indivíduos sendo fruto de linebreeding ou até mesmo inbreeding.
Gostaria de lembrar que o fato de iniciar o trabalho de outcross aqui, em especial da vertente de Razors vinda da Banhsee x Gotty foi espelhado no trabalho do Ed Sheperd que gerou o Cypress. Biz Markie cruzado na irmã de ninhada do Dax, a Foxy. Apenas segui a linha de raciocínio do Ed, que considero um mago na criação de American Bully.
Fiquei maravilhado com o resultado quando importei o Cypress e dei continuidade a esse trabalho por aqui. Gostaria de fazer um adendo: considero o Cypress um cão muito versátil como padreador, este blend 50% Razors – 50% Gotty permite que seja buscado os dois extremos de acordo com a cruza feita. Isso pude constatar, Cypress fez animais totalmente Razors Edge, em uma cruza com uma cadela Pokemon, e cães totalmente Daxline em uma cadela filha do USBF Cashpot 2.
7) Nos últimos anos você utilizou o sangue Miagi no seu plantel e recentemente trouxe a Toadline para o Brasil. Como foi a transição entre Razors Edge, considerado um dos sangues mais tradicionais e corretos, para um sangue polêmico como a Toadline?
O sangue Miagi é fantástico para trabalhar, com apenas uma ressalva, é um sangue onde perder volume é um risco muito grande, salvo os moderníssimos Bolow e Cobra, animais que mudaram os rumos da linha Miagi no mundo – são animais que colocaram realmente com muita solidez peso e volume no sangue Miagi.
Na verdade não fiz uma transição e sim um trabalho em conjunto com Miagi, Dax, Toad e Razors Edge. Recentemente fiz uma ninhada com Dax x Razors utilizando o Cypress com uma filha do Cashpot 2 x Mel que foi fantástica.
Estudei por 2 anos os Toadline e verifiquei que eram exatamente a peça que faltava no quebra-cabeças dos American Bullies na minha criação. Os Toadline são animais de muito peso, muito volume e muito osso, verdadeiros monstros dentro dos American Bully no mundo. A polêmica em cima dos Toad foi criada nos bastidores da criação nacional, aonde a ocorrência de criadores de cães que não possuem nada em mãos, apenas uma folha de A4 em branco, uma caneta Bic e o Google como referência e com isso ficam divagando, criticando e falando absurdos sobre os cães que não conhecem.
Importei um Toadline e o cão superou em muito minhas expectativas. O cão se chama Olaff, acabou de fazer 1 ano e possui dorso perfeito, uma tipicidade racial invejável, muito osso, volume, peso, angulação de posteriores presente, movimentação impecável e muita saúde. A polemica em cima dos Toad foi fomentada pela divulgação de algumas fotos de “freaks” que possuem Toadline no pedigree, detalhe, na grande maioria cruzados em Miagi.
Muito me admira que as pessoas que se dispuseram a fazer tais postagens com intuito de criar polemica não postaram a imensa maioria de cães Toadline maravilhosos que existem, foram postagens com intuito de criticar deliberadamente. Tenho um acervo de fotos de cães absurdamente abulldogados e doentiamente deteriorados, que perderam totalmente a tipicidade de um American Bully, animais com pedigrees fechados em Daxline, Miaguiline, nitidamente bulldogs, isso deve ser levado em conta? São os representantes da linha? Lógico que não.
Por várias vezes fui indagado sobre o porquê de jamais responder a todo tipo de crítica e ataque sobre os Toad, muitas pessoas visitaram o canil e falaram: “Meu Deus isso é um Toadline? Jamais pensei que fosse assim! Esse cão é muito correto e muito pesado. Você precisa divulgar isso!” Sabe o que fiz? Observei o andamento dos canis dos críticos e sua produção, ou falta dela! Sofrível.
Agora vamos colocar os Toad no plantel nacional, da maneira correta, mostrando serviço ao invés de apenas falar. Toadline são Gottiline, inclusive com ancestrais em comum com Daxline. Os Toadline mais modernos, Staypuff, Crime Boss, Snarff, T2, Mini Moose possuem a inserção do sangue de uma filha do Kriptonite. A importação do Olaff a.k.a. OVO foi exatamente para servir como refresco do sangue Dax e Miagi, extremamente saturado no Brasil, e já recheado de problemas de origem genética.
Portanto quando falamos de Toadline devemos pensar nesses ícones Gottiline que possuem ancestrais em comum, Mr Toad, Dax, Bullseye, Prince Spade, Kriptonite, Suge White. Me questiono se foi feita a busca dessas informações no momento em que a coceirinha da crítica alheia aconteceu. Acho que não.
8) Já produziu algum cão que é a personificação do seu objetivo na raça ou ainda pretende chegar lá?
A evolução é constante, mas posso citar o McCartney Red Scout (Cypress x Angra) mix entre Razors e Gotty. A Mini Pig e sua irmã Kaoma (Sushi x Mel) mix entre Miagi e Razors. E o Duff (Sushi x Mili) linebreeding entre Kingpin e Miagi. Mas se Deus quiser em cada ninhada teremos um cão que personifique nossos sonhos!
9) O que pensa sobre o plantel nacional e seu futuro?
O plantel nacional está recheado de excelentes cães, cada dia mais novas importações incrementam o potencial genético nacional, porém vejo uma dificuldade muito grande em produzir bons cães no Brasil. Basta verificarmos a quantidade de filhotes anunciados que literalmente desaparecem antes dos 6 meses de vida.
Me preocupa também a hipervalorizarão de machos e fêmeas através do uso desenfreado de mídia, pouquíssimos machos no Brasil saíram da condição de machos para a condição de padreadores comprovados, bem como poucas fêmeas evoluíram para a condição de matrizes comprovadas. Com as ferramentas que temos seria esperado filhotes de nível mais elevado. Talvez se fossem aplicadas avaliações mais técnicas de diretrizes de criação o resultado obtido com tamanha quantidade de material genético fosse melhor.
Isso envolve o conhecimento e estudo do criador em relação a cruzamentos e características das linhas de sangue envolvidas, verificando a compatibilidade das mesmas, uma boa assessoria veterinária, e uma grande capacidade de autocrítica, para que seja feita realmente seleção genética baseada em fatos reais, diretrizes reais. Enquanto não houver a diferenciação por parte do verdadeiro criador entre um filhote bonito e um adulto hipertípico, que será uma possível peça de fundação de um plantel, fica difícil pensar em evolução.
O futuro do plantel nacional é sem dúvida refém do excesso de fechamento de sangue, me preocupa demais esse conceito desenfreado de cruzamentos absurdamente fechados, isso condena qualquer raça, de qualquer animal, não é a expressão da minha opinião, e sim os conceitos básicos de genética adotados mundialmente.
Existem muitos cães doentes no Brasil, essas ocorrências são abafadas para que não venham à tona e desabonem determinados criadores e cruzamentos que fizeram sucesso na mídia.
Inclusive é realidade o uso de animais com problemas genéticos em programas de criação, de maneira a diminuir o prejuízo gerado pela compra do animal, desse modo fica difícil pensar em futuro da criação nacional.
Existe uma cinofilia real e de resultados concretos além dos limites do mundo da mídia solidária onde tudo que é postado é elogiado. Existe uma grande diferença entre um criador e um produtor de cães, um busca um legado, outro busca o comércio e nada mais.
O fato mais importante é que existem produções nacionais com nível internacional, porem a popularização e explosão da raça está atraindo pessoas sem objetivo nenhum como criador comprometido com a raça, e a quantidade de filhotes gerados por essas pessoas é algo assustador.
10) Deixe uma mensagem final, um conselho, para quem está lendo essa entrevista.
Para uma criação de sucesso tenha opinião: sustente e invista nela. Siga seus instintos. Seja crítico com seu trabalho, confronte ele constantemente com o que lhe encheu os olhos. Se sua meta é chegar a um animal como o Kratos, fidelize sua produção a isso, utilize a internet para estudar resultados dentro das linhas que trabalha e animais produzidos que melhor representam a linhagem.
Confronte seus resultados com o que classificou de melhor fora do país ou dentro da criação nacional. Seja crítico. Selecione. Assuma resultados negativos, encontre o erro. Resolva.
Padreadores não tem super poderes, uma cruza é feita por 50% de genética paterna e 50% de genética materna. Se você tem um cão da linha Miagi com conformação de um Razors Edge, algo está errado. Os cães devem ser a personificação da sua genealogia, busque e invista em animais típicos dentro da linhagem a qual se propõe.
Tenha infraestrutura mínima, ofereça conforto aos animais, eles têm sentimentos e são uma vida a ser respeitada. Como é claro que os canis são, literalmente, empresas e o lucro é algo almejado, trate seu canil como tal. Tenha capital para investir, capital para manutenção veterinária, para alimentação e cuidados gerais com os cães. Compre o que tiver capacidade de pagar e sempre honre seus compromissos.
Encontros de criadores são peças chave para o desenvolvimento da raça no Brasil, são situações onde quem tem dúvidas sobre conformação, tipicidade e diversidade dos American Bullies conseguem visualizar tudo em um só lugar. Gostaria de parabenizar todos os criadores envolvidos na organização dos eventos.