Perfil Bully 01 – Rogélio Piloni

Primeira entrevista, da série Perfil Bully, para conhecermos melhor os criadores que são destaque no Brasil. Apresentamos Rogélio Piloni – Star Red Kennel:

Criador há 19 anos, além de médico veterinário, hoje é uma das referências do American Bully no Brasil, tendo destaque para sua linha de sangue, com um dos cães mais impressionantes do cenário nacional.

*entrevista originalmente publicada em julho de 2015

1) Qual a sua visão geral sobre criação de cães?

Penso que cada vez mais a criação de cães vem deixando de ser hobby para ser uma fonte de renda. Tem o lado bom, pelo fato de que deveria acontecer a profissionalização para tratar dos cães, mas frequentemente não é isso que acontece. Em qualquer raça ou função que você for desempenhar quando é tomada pelo amadorismo, é como um carro turbinado sem freio, você vai tirar de tudo e sem muita responsabilidade sobre isso.

O que tenho visto hoje é muita gente partindo para o lado da cinofilia, não por querer fazer algo pela raça, mas geralmente pelo lado financeiro. Não vejo como algo ruim, mas deveriam estudar mais a respeito. Se (a criação) tornasse profissional seria muito bom, teriam mais criadores, mais investimento e melhores cães, mas isso nem sempre acontece.

Com o aumento da quantidade, a qualidade nem sempre acompanha. Isso é falta de responsabilidade no que tem sido desempenhado. Cresce a cinofilia, mas cresce as raças mais comerciais, não tem mais o criador de uma raça que não consegue vender (fácil) e que assim mesmo continua criando por que gosta. É obvio que com a diminuição de espaço, terrenos compactos e apartamentos, isso acaba limitando a criação de raças grandes.

Eu sempre criei cachorro, iniciei por que gostava. A partir do momento que comecei a criar, de maneira profissional, sempre busquei obter resultado genético, mas sempre visando lucro. Nunca tive a visão de criar como hobby, penso que quando você cria de uma forma responsável, encarando seu trabalho como uma empresa, ou algo do gênero, você busca fazer bem feito, pois quer, constantemente, criar e ter os seus clientes satisfeitos.

O ponto positivo da questão comercial, e por que deveria ser dessa forma, é dar garantia e segurança ao cliente e isso nem sempre está acontecendo. Hoje existem vendas desenfreadas, promoções de tudo que é forma, mas na hora do cliente precisar de ressarcimento, ou precisar de uma satisfação, isso não acontece.

 

2) Como conheceu o American Bully e qual foi o primeiro impacto com a raça?

Venho acompanhando a raça American Bully há um bom tempo. Em 2003 importei uma cadela (American Pit Bull Terrier) da Califórnia que tinha o “formato bully” e de lá pra cá eu venho acompanhando. O primeiro contato que eu tive de um cão americano, visto e vendido como American Bully, foi do US Bully Force e em 2011 eu adquiri o meu primeiro American Bully – o Cashpot II.

Eu precisava obter um choque de sangue no canil e mesmo sendo American Bully ele tinha pedigree de APBT (American Pit Bull Terrier) da UKC, além do fato dele ser Red Nose – cor que eu priorizo bastante. Eu o via como uma vertente forte para chocar com os meus cães e tinha três qualidades que eu gostava muito:

  1. Tamanho baixo, comparado aos meus cães na época;
  2. frente bem ampla, apesar da pouca profundidade de peito, característica que meus cães tinham bastante;
  3. posteriores muito fortes e definidos, uma musculatura muito boa.

 

Eram características que eu via nele e hoje eu trouxe pro meu canil. Busquei utilizá-lo como APBT e com o choque de sangue obtive bastante sucesso, produzindo cães mais baixos do que eu costumava produzir, porém bem mais grossos que o Cash II, com isso consegui um ponto de equilíbrio bacana.

Fui muito criticado na época e confesso que uma hora nem eu sabia se o que criava era American Bully ou Pit Bull. Eu tinha cães bem mais baixos que os pits e bem mais grossos que os bullies, chegou uma hora que eu achei que estava criando uma aberração.

USBF Cashpot II

Com algumas discussões na Internet e entrevistas, inclusive com o Dave Wilson (Presidente e Fundador do American Bully Kennel Club – ABKC), eu resolvi registrar meus cães como American Bully na ABKC, pois não via nada que impedia e, acredito que, estavam bem adequados ao Padrão.

Tive muitos dedos apontados para minha criação, mas o tempo mostrou que a minha intenção sempre foi a melhor possível e, nunca, de apenas obter vantagens em cima dos cães. Sempre tive a intenção de criar, e criar bem, independente se fosse Pit Bull ou American Bully.

Acabamos tendo que nos adequar à raça por que, se for colocar na balança, há muito tempo atrás os meus cães já eram bullies. Se for comparar o Oklahoma, nascido em 2007, com os American Bullies de 2007, muita pouca coisa teria que ajustar.

 

3) Sua visão sobre o American Bully mudou desde que conheceu a raça?

Sim, mudou muito. Eu sempre tive uma visão do Bully, em si, como um cachorro sempre exagerado. Achava muito difícil ter um cão desse tipo em um pequeno tamanho, um cão bem compacto e mesmo assim se mostrando exagerado. Achava que um cão de 40cm de cernelha, 38cm de cernelha, jamais pesaria 48-50kg.

Eu estava errado em relação a isso, não é comum, mas é possível. Eu tenho um cão, chamado Avohai, que tem 41cm de altura e em regime pesa 50kg, é bem exagerado mesmo. Tenho outro cão, Little Boy, que tem nove meses e tem 35-36 cm de cernelha e pesa 34kg. Se for ver, na proporção é um cachorro muito extremado, não deixa de ser grosso sem ser pequeno.

A minha visão evoluiu ao passo que comecei ver que é possível manter um cão com aspecto bully, mesmo diminuindo de tamanho. Hoje ainda existe essa limitação, cães menores que isso vão ter que ser classificados com outra denominação. Acho que esse aspecto tão impactante vai acabar se perdendo ao momento que se diminua mais do que isso.

Acho que não se consegue manter esse choque – olhar e se assustar, a proporção mais larga do que alta, uma cabeça desproporcional ao corpo – a partir do momento que você baixa demais. Eu tinha uma visão, em 2010, que jamais conseguiria ter um American Bully com 40cm de cernelha e 50kg. Isso eu tirei em um dos primeiros cruzamentos que fiz. A raça ainda está em desenvolvimento e muitos paradigmas ainda serão quebrados.

 

4) Quais os rumos, que você vê, sobre a raça para o futuro?

Eu vejo a raça com um futuro bacana. Existem muitos criadores, que entraram na raça, visando só o dinheiro e de certa forma isso ajuda. Muitos que tinham essa visão acabaram investindo bastante em genética de fora, vindo a somar bastante para o Brasil. Acredito que num futuro próximo vai acabar dando uma estabilizada no negócio.

A alta do dólar, logo a dificuldade de importação, vai acabar valorizando o que acaba nascendo aqui. Criadores mais antigos, que têm uma tradição de formar uma linha de sangue, vão acabar sendo ainda mais valorizados pelo fato que, as pessoas, vão pensar “vou importar um cão para buscar um sangue diferente para dar um choque ou para buscar um fenótipo que eu não tenho aqui?”

Oklahoma Star Red

Por que se for pra buscar um exemplar “ignorante”, o Brasil já é autossuficiente para produzir cães fortes e impactantes, bons de osso. O Brasil tem um bom futuro para raça, com bons criadores envolvidos. Hoje não tem como comparar com os Estados Unidos por que os eles estão há 20-25 anos na nossa frente.

A partir do momento que a gente evolui aqui, eles não estão parados lá, a coisa está acontecendo. Vejo que hoje muitos criadores estão empenhados em produzir bons cães, em formar uma linha de sangue e creio que isso vai ajudar muito a criação nacional.

 

5) Avohai é a personificação do seu objetivo na raça ou, ainda, pretende ir além?

O Avohai foi um divisor de águas no meu canil. Foi o cachorro que me fez olhar para raça American Bully e ver que é possível produzir algo que estava procurando nos pits, conseguir baixar (altura), colocar um formato bacana e manter peso e volume que eu tinha nos meus Pit Bulls.

Não o vejo, ainda, como um cão ideal, mas como o grande responsável de eu ter migrado dos APBT para o American Bully. Ele possui várias características que eu gostaria de manter e tem outras que eu gostaria de melhorar, não vejo como um cachorro perfeito, mas acho que, em relação ao aspecto e impacto bully, é o cachorro que eu sempre sonhei.

Alguns detalhes têm que ser melhorado: gostaria de levantar um pouco mais a trufa e centralizá-la, adicionar um pouco mais de massa de focinho e diminuir seu comprimento, mais stop. No geral gostaria de dar uma lapidada na cabeça dele, são detalhes que precisa ser mudado.

Ele carrega uma característica, uma herança, que vem dos meus pits, que são cães que têm um formato muito bonito, porém tem uma gordura subcutânea meio intensa. É um cachorro que mostra músculo, mas não com a mesma capacidade que o Cash II, seu pai, mostra. Essa parte da musculatura, em si, tem de ser melhorada.

Acho que para um cão inicial, trabalhando como American Bully, está além do que eu imaginava. Ele vai ser mantido no plantel por que tem várias características que carrega, que eu quero e vejo para um futuro, como um cão ideal. Seu posterior  é praticamente imbatível, um volume de tronco muito difícil de encontrar, a proporção de altura e tamanho de perna é perfeito, com uma profundidade de peito muito boa.

Existem muitas coisas que tem de ser melhoradas, mas se colocar, de 0 a 100, o que tem de ser melhorado e o que já tem de bom; o que já tem de bom ultrapassa muito o que tem de ser melhorado. Olhando da ponta do fuço a ponta do rabo, tem mais pontos positivos do que negativos, é um cachorro que me enche de orgulho de ter produzido, vai para três anos e meio e nos eventos de hoje é o carro-chefe para levar.

Esse ano eu tomei uma injeção de ânimo para produzir novos cães e estou numa nova etapa de criação, mas por enquanto ele foi o grande marco do meu canil. Já produzi muitos cães bons, que estão nas mãos de bons criadores, mas são cães que eu não tenho tanto contato. Eu vejo o Avohai como um grande ícone da minha criação, como um Star Red, com certeza.

Gota Star Red

6) O que você analisa em um exemplar para utilizá-lo em seu programa de criação? Alguma preferência por uma linha de sangue?

Primeiramente, vejo se tem o que busco. Enxergo a criação como um quebra-cabeças, onde determinadas fases você tem que buscar um choque de sangue para dar um refresco, como também tem que procurar características que ainda não conquistou.

Penso que qualquer canil que tenha um trabalho sério, onde está em busca de uma linha de sangue e tenha características fixadas, saibam seus pontos fortes. Se preciso de um cão, com determinada característica que necessito melhorar, vejo se, possível, tem as qualidades que já possuo.

Geralmente, você tem que abrir mão do que já tem, para buscar algo novo. Procurar avaliar na linha de sangue se o cão tem, em sua genealogia, ancestrais que deem uma garantia de que o que você possui, de bom, no seu plantel não vai ser perdido ou diluído.

Estou trabalhando para adicionar mais características onde, eu consiga manter o que já tenho, de bom, e venha somar ao que eu estou precisando.

Se, caso esse cão, tiver essa cabeça perfeita ou algo próximo do que busco, tenho de ver o que ele tem de ruim, para ver se vai prejudicar o que eu já conquistei no trabalho. É um quebra-cabeça: ir montando as peças e colocando na balança o que vai, ou não, valer à pena.

Penso que a criação é algo bem complicado e que tem que ser levado a sério. Às vezes em busca de uma característica, difícil de produzir, chega-se lá na frente e consegue tirar, mas o que tinha de bom você perdeu. Não é assim que se trabalha, é preciso ir somando e abrindo mão, do que já tem, o menos possível.

 

7) Como você avalia, de maneira geral, o plantel nacional?

Hoje vejo excelentes cães. O Brasil tem material genético muito bom para trabalhar, com várias linhas distintas e com fenótipos diferentes. Olhando o que existe nos Estados Unidos, numa proporção menor, já temos um pouco de cada linha para trabalhar.

Ainda vejo alguns canis importando, mas particularmente o  Canil Star Red não vê necessidade, pelo menos por enquanto. No futuro vai ser necessário, por que todos os canis, ou a grande maioria, vão ter o mesmo mix de sangue e vão necessitar de injeção de sangue novo.

No momento o plantel nacional tem uma grande diversidade de linhas de sangue que dá para trabalhar muito bem, estamos supridos de bons cães.

 

8) Quais são os criadores e cães que admira?

O George Soto – TheBullyCampline; Ed Shepherd – Daxline, para quem curte Gottyline; são referencias de criadores que merecem respeito.

No Brasil admiro alguns criadores, como: Leonardo – Pride Kennel; Germano Lavigne; Rudney e Ronaldo – US Bully Force, que para mim são os pioneiros; Gustavo Martinelli – Red Scout. O Brasil tem uma infinidade de bons criadores, que não me vêm todos agora na memória, temos um celeiro repleto.

Com relação a cães, tem um cão que eu gosto muito: Mr Magoo, que gosto demais; Boss, um cão tricolor, creio que filho do Phenom, um cão americano; gosto bastante do Phenom, sua produção em si.

Aqui no Brasil gosto de alguns exemplares: Anthrax é um cachorro que gosto bastante; Puma também; gosto bastante do meu Little Boy; Cash II não tem como não citar, vejo como um grande ícone da raça; Viper, acho um excelente cão; Ruffus Scheffer, do Cadu; Whats Pride, do Leonardo.

Tem vários cães que me agradam bastante. São cães que, se eu não usar diretamente, terei netos ou algo do gênero no canil.

Litlle Boy

9) Você vem de uma época em que só era possível ver cães ao vivo ou através de revistas e fotos. Então, qual a importância das ferramentas de Internet e Redes Sociais para a criação?

Sou de um tempo onde vender um filhote levava uma semana para tirar e revelar a foto, enviar pelo Correios, se a pessoa não gostava eu tinha de mandar a foto de outro filhote. A questão de máquina fotográfica era muito limitada, ao revelar uma foto, não saia nada do que você imaginava ou queria mostrar.

A Internet foi a grande responsável pelo aumento da popularidade dos cães, em todas as raças, na cinofilia em geral, e isso tem o lado bom e o lado ruim. Vários criadores hoje, quando se diz na parte prática e o dia-a-dia, a lei do acerto e do erro, acabam sendo desvalorizados.

Penso que um criador com 17 anos de criação, 20 anos de criação, 25 anos de criação, tem de ser respeitado por que já errou muito. O que ele está fazendo hoje, e vendo como acerto, tem uma carga muito forte. Se for contar só com o Google para achar que vai acertar, você até pode, vai ver bons cães e cruzar.

Tudo se torna muito fácil, mas para fixar o pé no chão como criador, criar uma linha de sangue, trabalhar em cima de algo, tem que trabalhar na lei de acertos e erros e isso a Internet não te dá.  A Internet foi a grande responsável pelas informações e facilidade. Hoje em dois minutos você vende um cachorro, divulga, faz um vídeo e rapidamente todo mundo conhece.

Você abre um computador e o mundo da cinofilia está ali, todas as informações, sendo elas corretas ou erradas, estão à sua disposição.

 

10) Deixe uma mensagem final para quem está lendo essa entrevista.

Depois de um tempo de criação, o que eu teria de aconselhar é que, antes de comprar cachorro vá conhecer ao vivo. Fotos e vídeos são diferentes de se ver o bicho andando, ver a expressão, conhecer o criador. Hoje o Brasil está bem à frente (em relação ao passado da raça) com os eventos que estão acontecendo.

Às vezes, em uma única viagem, você acaba conhecendo vários ícones da raça, tendo uma real referencia do que você gosta ou não gosta, do que vai usar e implantar no canil.

Então, antes de você juntar dinheiro para comprar um cão, junte um dinheiro para ir ver, e idealizar, o que realmente quer.

Por que muitas vezes você compra um, dois, três, quatro, cinco cães e ao se deparar com um bom cão percebe que jogou dinheiro fora e tudo poderia ter sido diferente.

Rogélio Piloni e Avohai

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